Na noite de 29 de setembro, a Câmara Municipal de Almirante Tamandaré conseguiu o que nem roteiristas de House of Cards ousariam propor: transformar uma sessão pública em um espetáculo de confusão, atropelo e opacidade. Em pouco mais de uma hora, vereadores aprovaram projetos e requerimentos que a população sequer teve tempo de entender. Tudo em caráter "extraordinário" palavra que, por aqui, parece sinônimo de "vamos votar antes que alguém perceba".
Enquanto o presidente da Casa lia os números friamente, como quem dita o cardápio de um boteco vazio, vereadores cochichavam, riam e fingiam compreender o que votavam. Nenhum projeto foi lido na íntegra. Nenhuma justificativa detalhada foi dada. A pressa era tanta que, se alguém piscasse, perderia uma votação inteira.
A sessão começou com o ritual de sempre: microfones falhando, ordem do dia atropelada e o público pequeno, mas atento tentando entender o que estava acontecendo. O clima lembrava uma cena de Tropa de Elite 2, quando o coronel Nascimento descobre que o sistema é muito mais podre do que o inimigo aparente.
Aqui, o "sistema" é o mesmo: discursos automáticos, gestos ensaiados, e nenhum compromisso com a transparência.
Um servidor da própria Câmara, que pediu anonimato, comentou: "Muitas vezes, os vereadores não sabem o que estão votando. Recebem o projeto no dia e aprovam. Tudo passa, Luciana. Tudo."
Os discursos se sucederam com a profundidade de uma poça d"água no deserto. Um vereador elogiava o Executivo; outro dizia que "o povo confia na Câmara". Nenhum deles explicou por que as votações não poderiam esperar uma sessão ordinária. A justificativa da urgência soou tão vazia quanto promessa de campanha em ano eleitoral.
Ao final, aplausos protocolares de assessores, claro e um clima de "missão cumprida". O povo? Continua no escuro. Nenhum resumo dos projetos foi publicado no portal da transparência ou nas redes sociais.

Em tempos de tecnologia, Almirante Tamandaré ainda parece operar com rolo de papel e sigilo monástico. O site da Câmara é um labirinto: pautas incompletas, atas atrasadas e arquivos de áudio confusos. É como se a instituição tivesse medo de ser compreendida ou, pior, de ser cobrada.
E o mais irônico? A própria sessão é transmitida, mas o som falha, o vídeo trava e a indignação do cidadão se perde no eco do plenário.
Juristas ouvidos pelo Blog da Luciana Pombo criticam o modelo de aprovação acelerada. O advogado eleitoralista Marcelo Albuquerque resume o sentimento:
"Sessões extraordinárias deveriam servir a temas de urgência real, como calamidades ou orçamentos emergenciais. Não para votar indicações e projetos protocolares. O excesso banaliza a função do Legislativo e fere o princípio da publicidade."
A cena lembra O Auto da Compadecida: cada vereador interpretando um personagem caricato, tentando parecer virtuoso enquanto o caos domina o enredo. Só falta Chicó levantar a mão e dizer: "Não sei, só sei que foi assim".
Mas aqui, não é ficção. É o retrato de um poder público que, sem transparência, vai se tornando irrelevante e perigoso. Porque onde a pressa domina, a democracia se cala.
Ajude o jornalismo independente. Doe qualquer valor e envie sua mensagem para o: https://widget.livepix.gg/embed/ffba872b-6a00-465a-bdf0-6cb70bf5753c