Educação Inclusiva no Paraná: quando o discurso é de inclusão, mas a prática continua excludente

Apesar dos avanços no papel, escolas ainda falham em acolher alunos com deficiência, autismo e superdotação — o desafio da inclusão real continua sendo empurrado com a barriga

Por Por Luciana Pombo em 06/10/2025 às 13:37:07
Foto: Agência Brasil - EBC

Foto: Agência Brasil - EBC

Em um país que se orgulha de ter leis exemplares e práticas medíocres, o Brasil segue tropeçando naquilo que chama de "educação inclusiva". No Paraná, o cenário é emblemático: discursos entusiasmados de secretarias de Educação, fotos coloridas em eventos de "acolhimento" — e, na sala de aula, mães desesperadas tentando convencer escolas de que seus filhos com deficiência merecem aprender, não apenas "estar ali".

Dados do Censo 2022 do IBGE mostram que o país tem 14,4 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, cerca de 7% da população. Quase dois terços (63,1%) não completaram o ensino fundamental, e a taxa de analfabetismo é três vezes superior à meta do Plano Nacional de Educação. No Paraná, segundo o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), apenas 45% das escolas públicas estaduais possuem estrutura adequada para receber alunos com deficiência. Rampas quebradas, ausência de intérpretes de Libras e banheiros adaptados só nas maquetes.

E quando se trata de autismo, o descaso ganha contornos cruéis. De acordo com o Mapa do Autismo no Paraná (2024), há cerca de 57 mil estudantes autistas na rede pública, mas menos de 30% das escolas contam com mediadores ou salas de recursos multifuncionais. Pais relatam abandono e constrangimento: "Disseram que eu poderia deixar meu filho em casa se ele se sentisse incomodado com o barulho da turma", contou Luciane Ribeiro, mãe de um menino autista de 9 anos em Almirante Tamandaré. "Mas não é ele que tem que se adaptar à escola. É a escola que precisa se adaptar a ele", conclui.

Enquanto isso, o discurso oficial segue no modo automático. A secretária da SECADI, Zara Figueiredo, chegou a afirmar que "as políticas inclusivas vêm sendo exitosas desde 2008". É verdade — se considerarmos como "inclusão" o simples ato de matricular uma criança e esquecê-la num canto. Afinal, estar dentro da sala não é o mesmo que participar dela.

Curitiba ainda não é exemplo

Na capital paranaense, os números também desmentem a propaganda institucional. A rede municipal tem 11 mil alunos com deficiência e 2.300 professores de apoio, segundo a Prefeitura de Curitiba. Mas o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPcD) denuncia que faltam intérpretes, formações adequadas e recursos pedagógicos.

"Não se faz inclusão sem investimento, sem estrutura, sem professores capacitados", afirmou Regina Mota, pedagoga e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "O que vemos são profissionais adoecendo, sem suporte, e famílias exaustas diante da omissão estatal. Não é falta de lei — é falta de vergonha".

E o problema não se restringe aos alunos com deficiência. Os superdotados, outro grupo invisível da educação, sofrem o mesmo apagamento. O Paraná tem cerca de 4,5 mil estudantes com altas habilidades identificadas, mas menos de 200 recebem acompanhamento especializado. "É como se o sistema educativo temesse quem pensa rápido demais", ironiza Regina. "Preferem nivelar por baixo do que repensar o modelo escolar."


Almirante Tamandaré: o retrato do abandono

Na Região Metropolitana de Curitiba, o retrato é ainda mais cruel. Em Almirante Tamandaré, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação, menos de 10% das escolas têm estrutura inclusiva. Muitas sequer possuem rampas, e professores relatam improvisos para atender alunos com deficiência.

"Um menino cego frequentava a escola sem material em braile. A professora, desesperada, começou a ditar todo o conteúdo. Era um ato de resistência, não uma política pública", diz Sandra Duarte, especialista em educação inclusiva e consultora de ONGs que atuam na região.

Em 2023, um caso chocou o município: uma professora fez alunos desenharem uma mulher negra com "cabelo de bombril", o que escancarou a falta de preparo pedagógico e o racismo institucional. "Se há preconceito contra a cor da pele, imagine contra uma criança autista ou cadeirante", questiona Sandra.

A ficção já tratou melhor o tema que o poder público

Se a realidade é amarga, o cinema há décadas ensina empatia. Filmes como Meu Pé Esquerdo (1989), Rain Man (1988) e O Contador (2016) retratam o potencial de pessoas com deficiência quando há oportunidades e apoio. "A diferença é que, no cinema, o final é esperançoso. Aqui, é truncado por burocracia e negligência", ironiza a educadora Michele Lopes, de Colombo.

O problema, diz ela, é que "a educação inclusiva no Brasil é uma promessa com data de validade: muda o governo, desmonta-se o que já era frágil".

Mais que incluir: é preciso pertencer

A verdadeira inclusão, explicam os especialistas, não é colocar o aluno com deficiência na sala, mas fazer com que ele pertença àquele espaço. Isso envolve formação continuada de professores, infraestrutura acessível e currículos que contemplem as diferenças.

"Não adianta pintar a parede de colorido e dizer que a escola é inclusiva", conclui Luciane, a mãe de Almirante Tamandaré. "Meu filho quer ser engenheiro. E eu só quero que o deixem tentar."


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Fonte: Fonte: Agência Brasil e outros

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