Foto: Agência Brasil - EBC
Em um país que se orgulha de ter leis exemplares e práticas medíocres, o Brasil segue tropeçando naquilo que chama de "educação inclusiva". No Paraná, o cenário é emblemático: discursos entusiasmados de secretarias de Educação, fotos coloridas em eventos de "acolhimento" e, na sala de aula, mães desesperadas tentando convencer escolas de que seus filhos com deficiência merecem aprender, não apenas "estar ali".
Dados do Censo 2022 do IBGE mostram que o país tem 14,4 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, cerca de 7% da população. Quase dois terços (63,1%) não completaram o ensino fundamental, e a taxa de analfabetismo é três vezes superior à meta do Plano Nacional de Educação. No Paraná, segundo o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), apenas 45% das escolas públicas estaduais possuem estrutura adequada para receber alunos com deficiência. Rampas quebradas, ausência de intérpretes de Libras e banheiros adaptados só nas maquetes.
E quando se trata de autismo, o descaso ganha contornos cruéis. De acordo com o Mapa do Autismo no Paraná (2024), há cerca de 57 mil estudantes autistas na rede pública, mas menos de 30% das escolas contam com mediadores ou salas de recursos multifuncionais. Pais relatam abandono e constrangimento: "Disseram que eu poderia deixar meu filho em casa se ele se sentisse incomodado com o barulho da turma", contou Luciane Ribeiro, mãe de um menino autista de 9 anos em Almirante Tamandaré. "Mas não é ele que tem que se adaptar à escola. É a escola que precisa se adaptar a ele", conclui.
Enquanto isso, o discurso oficial segue no modo automático. A secretária da SECADI, Zara Figueiredo, chegou a afirmar que "as políticas inclusivas vêm sendo exitosas desde 2008". É verdade se considerarmos como "inclusão" o simples ato de matricular uma criança e esquecê-la num canto. Afinal, estar dentro da sala não é o mesmo que participar dela.
Na capital paranaense, os números também desmentem a propaganda institucional. A rede municipal tem 11 mil alunos com deficiência e 2.300 professores de apoio, segundo a Prefeitura de Curitiba. Mas o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPcD) denuncia que faltam intérpretes, formações adequadas e recursos pedagógicos.
"Não se faz inclusão sem investimento, sem estrutura, sem professores capacitados", afirmou Regina Mota, pedagoga e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "O que vemos são profissionais adoecendo, sem suporte, e famílias exaustas diante da omissão estatal. Não é falta de lei é falta de vergonha".
E o problema não se restringe aos alunos com deficiência. Os superdotados, outro grupo invisível da educação, sofrem o mesmo apagamento. O Paraná tem cerca de 4,5 mil estudantes com altas habilidades identificadas, mas menos de 200 recebem acompanhamento especializado. "É como se o sistema educativo temesse quem pensa rápido demais", ironiza Regina. "Preferem nivelar por baixo do que repensar o modelo escolar."

Na Região Metropolitana de Curitiba, o retrato é ainda mais cruel. Em Almirante Tamandaré, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação, menos de 10% das escolas têm estrutura inclusiva. Muitas sequer possuem rampas, e professores relatam improvisos para atender alunos com deficiência.
"Um menino cego frequentava a escola sem material em braile. A professora, desesperada, começou a ditar todo o conteúdo. Era um ato de resistência, não uma política pública", diz Sandra Duarte, especialista em educação inclusiva e consultora de ONGs que atuam na região.
Em 2023, um caso chocou o município: uma professora fez alunos desenharem uma mulher negra com "cabelo de bombril", o que escancarou a falta de preparo pedagógico e o racismo institucional. "Se há preconceito contra a cor da pele, imagine contra uma criança autista ou cadeirante", questiona Sandra.
Se a realidade é amarga, o cinema há décadas ensina empatia. Filmes como Meu Pé Esquerdo (1989), Rain Man (1988) e O Contador (2016) retratam o potencial de pessoas com deficiência quando há oportunidades e apoio. "A diferença é que, no cinema, o final é esperançoso. Aqui, é truncado por burocracia e negligência", ironiza a educadora Michele Lopes, de Colombo.
O problema, diz ela, é que "a educação inclusiva no Brasil é uma promessa com data de validade: muda o governo, desmonta-se o que já era frágil".
A verdadeira inclusão, explicam os especialistas, não é colocar o aluno com deficiência na sala, mas fazer com que ele pertença àquele espaço. Isso envolve formação continuada de professores, infraestrutura acessível e currículos que contemplem as diferenças.
"Não adianta pintar a parede de colorido e dizer que a escola é inclusiva", conclui Luciane, a mãe de Almirante Tamandaré. "Meu filho quer ser engenheiro. E eu só quero que o deixem tentar."
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Fonte: Fonte: Agência Brasil e outros