O racismo que nasce no berço: quando o preconceito já tem endereço, cor e idade

Pesquisa revela que uma em cada seis crianças até 6 anos sofre discriminação racial — e o Paraná não está fora dessa mancha social

Por Por Luciana Pombo em 06/10/2025 às 11:36:07
Foto: Agência Brasil - EBC

Foto: Agência Brasil - EBC

Ainda no berço, crianças negras já sentem o peso de uma sociedade que as julga pela cor da pele. O racismo, esse câncer histórico brasileiro, não espera a adolescência, a escola ou o mercado de trabalho. Ele começa cedo — nas creches, nas pré-escolas, nas ruas, nas famílias. E, pior, encontra silêncio, omissão e conivência.

O Panorama da Primeira Infância: o impacto do racismo, pesquisa nacional do Datafolha encomendada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, revela que uma em cada seis crianças de até 6 anos já foi vítima de racismo no Brasil. Os números são brutais e mais cruéis quando analisados sob a lupa do cotidiano: 54% dos casos ocorrem em creches e pré-escolas.

Paraná: o silêncio do racismo institucional

No Paraná, o problema ecoa com a mesma força, ainda que mascarado por discursos de "igualdade" e "democracia racial". Dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), cruzados com informações do IBGE, mostram que pretos e pardos representam apenas 26% dos alunos matriculados na rede privada, mas são 64% da rede pública municipal e estadual.

"É o retrato fiel de um país que segrega desde o nascimento", afirma Cláudia Santos, doutora em Psicologia Social pela UFPR. "As escolas da periferia, onde a maioria das crianças é negra, são também as mais precarizadas. Quando uma criança preta sofre racismo, raramente há acompanhamento psicológico, orientação à família ou punição real. O racismo é institucionalizado."

E não é só nas escolas. Em Almirante Tamandaré, município da Região Metropolitana de Curitiba, professoras relatam casos de apelidos racistas em sala e silêncio das direções escolares. Os casos sequer chegam às autoridades. "A gente vê o racismo todos os dias, mas há medo de denunciar. As famílias temem represálias", diz Márcia Ribeiro, professora da rede pública há 18 anos.

O que o Estado finge não ver

A Lei nº 10.639/2003, que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas, é ignorada em 70% dos municípios brasileiros, segundo levantamento da Universidade Federal de Goiás. No Paraná, menos de 20% das secretarias municipais de Educação cumprem integralmente a norma.

"É a prova de que a lei, sozinha, não muda nada. Falta vontade política, formação e coragem", diz Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. "Quando a criança preta ou parda é discriminada na escola, o dano é irreversível. A primeira infância é a fase mais intensa do desenvolvimento humano — o racismo destrói essa fase."

O Ministério Público do Paraná confirma que os registros de racismo e injúria racial entre crianças cresceram 38% entre 2020 e 2024. A maior parte ocorre em Curitiba, Colombo, Pinhais e Tamandaré. Mas, como sempre, as subnotificações transformam a tragédia em estatística tímida. Em Almirante Tamandaré, uma mãe denunciou uma professora de escola municipal por racismo e constrangimento da filha que teve que desenhar uma criança afrodescendente com cabelo feito de bombril. Aquela história antiga do "cabelo ruim", ao contrário da valorização social.


Quando o racismo mata sonhos

Em 2023, uma menina de apenas 5 anos, em Piraquara, recusou ir à escola após ouvir da colega: "Seu cabelo parece bombril". A escola chamou a mãe e o caso terminou em "reconciliação pedagógica". Nenhum professor foi responsabilizado.

Casos assim revelam o abismo entre o discurso e a prática. A Constituição Federal afirma que todos são iguais perante a lei. Mas, no Brasil, essa igualdade ainda depende da cor.

"Crescer ouvindo que é feia, que seu cabelo é ruim, que não é princesa da Disney — tudo isso destrói o que a criança tem de mais puro: a autoestima", lamenta a pedagoga e ativista antirracista Paula Félix, fundadora do coletivo Infâncias Negras.

Ela cita o filme "Pequena Miss Sunshine", em que a menina é encorajada a ser ela mesma: "Enquanto lá o pai aplaude o sonho da filha, aqui o sonho de muitas meninas é se enxergar como brancas. É um genocídio simbólico."

Da creche ao cemitério: o ciclo da exclusão

Estudos da Fiocruz mostram que o racismo, quando vivido na primeira infância, eleva em até 40% o risco de depressão e evasão escolar na adolescência. O preconceito também se reflete na saúde: crianças negras têm menos acesso a acompanhamento nutricional e psicológico.

No Paraná, a mortalidade infantil entre bebês pretos é duas vezes maior do que entre brancos, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). E isso em pleno século 21.

"O racismo não é só uma ofensa. É uma política de morte", resume a socióloga Fernanda Lima, da PUC-PR. "Quando o Estado não garante escola de qualidade, alimentação e saúde, ele está dizendo quem merece viver e quem pode morrer."

O desafio do amanhã

A educação antirracista não pode ser apenas um tema de roda de conversa. É projeto de país. E começa com formação de professores, inclusão de conteúdos afro-brasileiros e punição rigorosa a práticas discriminatórias.

"Se o Brasil fosse um filme, a infância preta ainda estaria nos créditos iniciais, invisível", ironiza Luciana Pombo, jornalista e defensora dos direitos humanos. "Mas aqui no Portal, a gente não arquiva a verdade. A gente denuncia, até que alguém ouça."


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Fonte: Fonte: Agência Brasil e outros

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