Execução brutal no Santa Cândida expõe um velho fantasma de Curitiba: violência localizada, investigações lentas e sensação de impunidade

Homem espancado e morto a tiros na Rua Reinaldo Jacob Von Muhlen reacende o debate sobre por que crimes tão cruéis acontecem e com que frequência chegam ao fim com autores identificados

Por Por Luciana Pombo em 05/10/2025 às 18:41:42

Uma discussão entre trĂȘs homens, correria, pedidos de socorro de porta em porta, dois disparos na cabeça e uma morte na rua. O bairro Santa Cândida, na região Norte de Curitiba, viveu uma cena de terror na noite de sĂĄbado. A vĂ­tima, ainda sem identidade divulgada, foi agredida ao longo da via e executada a poucos metros de casas onde famĂ­lias jantavam em silĂȘncio tenso. Equipes da PolĂ­cia Militar e do Corpo de Bombeiros tentaram reanimar o homem, sem sucesso. A PolĂ­cia Civil abriu investigação para identificar os autores e esclarecer as circunstâncias do crime.

O que explica esse tipo de execução

Casos assim, com espancamento seguido de tiros no crânio, são tĂ­picos de trĂȘs dinâmicas que a criminologia brasileira descreve com frequĂȘncia

  1. Acerto de contas no circuito das economias ilegais, principalmente drogas e receptação.

  2. Justiça privada por grupos locais que impõem regras à força, da vizinhança violenta ao crime organizado.

  3. Vinganças pessoais que escalam rĂĄpido onde a presença do Estado Ă© frĂĄgil ou tardia.

Pesquisas recentes sobre violĂȘncia letal no Brasil mostram que homicĂ­dios se concentram em zonas e janelas de tempo especĂ­ficas, muitas vezes ligadas a disputas criminais. Em palavras diretas, não Ă© violĂȘncia difusa, Ă© violĂȘncia localizada e repetitiva, que pede atuação policial cirĂșrgica e rĂĄpida.

O retrato paranaense

Os indicadores estaduais melhoraram no agregado, mas isso não blindou bairros da capital contra episódios extremos. Em 2024, o ParanĂĄ reduziu homicĂ­dios e fechou o ano com taxa de 14,1 por 100 mil habitantes, abaixo da mĂ©dia nacional. Em 2025, o primeiro semestre manteve queda expressiva e a Grande Curitiba registrou redução nos homicĂ­dios dolosos entre janeiro e julho. O paradoxo fica evidente: menos casos totais, mas a brutalidade de alguns episódios continua alta. É a ferida que persiste no cotidiano.

A pergunta que não quer calar: a polĂ­cia elucida?

O Brasil ainda esclarece pouco mais de um terço dos homicĂ­dios. O Instituto Sou da Paz estima 39 por cento de elucidação em mĂ©dia nacional. A própria campanha Onde Mora a Impunidade resume com precisão: a impunidade mora na baixa capacidade de investigação dos estados e na dificuldade de produzir dados. Traduzindo para a rua de sĂĄbado, no Santa Cândida: sem perĂ­cia rĂĄpida, cruzamento de câmeras do entorno, coleta de depoimentos em horas e proteção de testemunhas, a chance de o caso virar estatĂ­stica aumenta.

Por que a impunidade alimenta a crueldade

HomicĂ­dios que ficam sem autoria conhecida viram propaganda do crime. O recado Ă© simples para quem pretende eliminar desafetos ou cobrar dĂ­vidas ilĂ­citas: dĂĄ para fazer, dĂĄ para escapar. AlĂ©m disso, a violĂȘncia Ă© seletiva. Estudos nacionais mostram que as vĂ­timas se concentram em territórios empobrecidos e com serviços pĂșblicos insuficientes. Bairros populosos da periferia de Curitiba e da Região Metropolitana vivem essa realidade todos os dias.

O que as autoridades precisam fazer agora no caso do Santa Cândida

Plano bĂĄsico de investigação eficiente
• Mapeamento imediato do trajeto da vĂ­tima antes da agressão, com busca de imagens privadas e pĂșblicas.
• Coleta rĂĄpida de depoimentos de moradores que ouviram a briga e viram as agressões ao longo da via.
• Rastreamento de celulares que trafegaram no perímetro no horário do crime, com ordem judicial.
• Proteção de testemunhas para evitar silenciamento por medo.
• AnĂĄlise balĂ­stica e comparação com armas apreendidas em ocorrĂȘncias recentes na região.
• Integração com inteligĂȘncia para checar vĂ­nculos dos suspeitos com economias ilegais locais.

O padrão que se repete

Mesmo com queda geral dos homicĂ­dios, a Grande Curitiba vive picos localizados. A explicação, dizem os pesquisadores, estĂĄ em disputas entre grupos criminais e em conflitos pontuais que geram retaliações aceleradas. É uma dinâmica que combina acĂșmulo de tensões e respostas violentas rĂĄpidas. Sem presença constante do Estado e investigação qualificada pós-crime, o ciclo se retroalimenta.

Vozes de referĂȘncia

• Instituto Sou da Paz: "A impunidade mora na baixa capacidade de investigação dos estados e na dificuldade de produzir dados que permitam calcular o Ă­ndice de esclarecimento"
• Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica: o ParanĂĄ figura entre os estados com queda recente de homicĂ­dios, o que mostra que polĂ­ticas consistentes funcionam, desde que combinadas com investigação robusta e prevenção focalizada.

O ponto cego

Falar em queda de homicĂ­dios Ă© importante, mas não consola a vizinhança que assistiu a uma execução na calçada. Para essa comunidade, a mĂ©trica que importa Ă© outra: o caso foi esclarecido. Enquanto a taxa de elucidação não se tornar compromisso pĂșblico e auditĂĄvel bairro a bairro, a rotina serĂĄ a do medo e das ruas vazias depois que o sol se põe.

Serviço à população

Quem tiver informações sobre o crime no Santa Cândida pode repassar de forma anônima:
• Disque DenĂșncia 181
• 197 Polícia Civil
• 190 PolĂ­cia Militar em emergĂȘncia


Ajude o jornalismo independente. Doe qualquer valor e envie sua mensagem para o: https://widget.livepix.gg/embed/ffba872b-6a00-465a-bdf0-6cb70bf5753c

Fonte: Fontes Consultadas: Secretaria da Segurança PĂșblica do ParanĂĄ, balanços de 2024 e 2025 sobre homicĂ­d

Comunicar erro

ComentĂĄrios

Gatas ClassDeusas do Luxo