Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) anunciaram nesta quinta-feira (13), na revista Nature, o desenvolvimento de um biocatalisador chamado CelOCE (do inglês, Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme), isolado de bactérias do solo brasileiro. As amostras foram coletadas de locais com cobertura de bagaço de cana-de-açúcar e não passaram por manipulação em laboratório para seleção e criação. A pesquisa abarcou toda a cadeia de desenvolvimento, desde a identificação das bactérias até a produção em escala industrial da enzima na planta-piloto do CNPEM. O biocatalisador já teve seu registro de patente solicitado e está em processo de licenciamento para aplicação industrial. O uso no setor produtivo é previsto para ocorrer entre um e quatro anos após o licenciamento, dependendo do avanço tecnológico.
A CelOCE é um dos resultados do programa de mapeamento genético da vida microbiana da biodiversidade brasileira, liderado pelo CNPEM em parceria com instituições nacionais e internacionais. Entre elas, o Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentos e Meio Ambiente da França (INRAE) e a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU). Essa pesquisa também já revelou compostos de uso médico extraídos de bactérias na Amazônia. Segundo os pesquisadores, o método utilizado nessa descoberta também pode ser adaptado para encontrar compostos promissores em aplicações como reciclagem de petroquímicos e plásticos. "É quase como espionar as bactérias e copiar suas soluções", comentaram os cientistas envolvidos.
A enzima se diferencia por seu tamanho diminuto, composta por apenas 115 aminoácidos, o que facilita alterações em laboratório, oferecendo maior flexibilidade do que as enzimas atualmente utilizadas na indústria. Dados obtidos em condições industriais apontaram um aumento de até 21% na geração de glicose a partir de resíduos vegetais ao combinar a CelOCE com enzimas já usadas no setor. A enzima atua acelerando a quebra da celulose durante o processo de produção de biocombustíveis e bioquímicos. “Essa descoberta muda o paradigma da degradação da celulose na natureza e tem o potencial de revolucionar as biorrefinarias”, afirmou Mario Murakami, pesquisador do CNPEM e líder do estudo.
Murakami também destacou a relevância da pesquisa: "A pesquisa foi motivada para elucidar a matéria escura metagenômica, que são os genes de função desconhecida de microrganismos inéditos e não cultiváveis em laboratório. Mais de 90% da vida microbiana ainda são desconhecidos e podem conter informações capazes de mudar nosso entendimento sobre muitos processos na natureza, assim como a degradação da celulose, que foi a descoberta nesse trabalho."
O pesquisador explicou ainda que o entendimento detalhado da ação da enzima foi possível graças à infraestrutura do CNPEM, incluindo a análise de sua estrutura tridimensional e o mecanismo de interação com fibras de celulose. "Seu mecanismo único, baseado na bioquímica redox, leva a ganhos superiores ao que se conhece no estado-da-arte", concluiu Murakami.
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