Capitão América: Admirável Mundo Novo – Crítica (Sem Spoilers) em Alternativa Nerd
É curioso como Capitão América: Admirável Mundo Novo é praticamente uma refilmagem de Soldado Invernal. Faz sentido, considerando a reputação desse último. Em meio a tantas produções lançadas nos últimos anos, a sequência dirigida pelos Irmãos Russo continua sendo um dos melhores filmes do MCU. Aqui, mais uma vez, temos uma trama que gira em torno de uma conspiração interna na política americana, resultando em um aliado do Capitão manipulado mentalmente. Há também a dinâmica do super-herói com seu parceiro uniformizado, a troca de um ator veterano—sai Robert Redford, entra Harrison Ford—, uma Viúva Negra genérica e um tom mais sóbrio, seja na estética ou na narrativa.
A diferença é que, em Soldado Invernal, os Irmãos Russo sabiam equilibrar a fantasia dos super-heróis com uma narrativa de espionagem decente e uma visão para as cenas de ação, que iam desde planos que destacavam os ambientes interessantes, como a tensão no elevador ou Nick Fury enclausurado no próprio carro que vira uma arma, até coreografias claras e uma edição que destacava o impacto das lutas viscerais entre supersoldados. Em comparação, Admirável Mundo Novo parece anos-luz distante de qualquer uma dessas qualidades.
Se em Soldado Invernal, a visão de mundo do Capitão América (Chris Evans) era colocada à prova ao perceber que seus antigos inimigos agora estavam infiltrados nas entranhas de seu país, manchando tudo pelo que ele lutou e acreditava, e o personagem precisava superar isso, transcendendo de um mero símbolo americano para um símbolo de liberdade—tudo isso enquanto enfrentava Bucky Barnes, um antagonista físico que funcionava quase como um duplo maligno seu, também manipulado por uma ideologia—e o clímax desse embate era Rogers crescendo como personagem ao apelar para a humanidade de Bucky em vez de resolver tudo na base dos punhos, aqui, Sam Wilson (interpretado por Anthony Mackie) é apenas um personagem de ação posado, arrastado por uma narrativa cheia de intrigas que pouco faz para desenvolvê-lo ou testar suas convicções em um mundo que parece não o aceitar como Capitão América, mas que não constrói situações onde isso soe pálpavel para além do texto. Esse tipo de profundidade na jornada do super-herói estrelado parece ter ficado esquecida desde o filme dos Irmãos Russo e os resquícios vistos em Falcão e o Soldado Invernal.
O filme é tão seguro dentro de uma fórmula, tão organizado por um algoritmo para não desafiar ou desagradar ninguém, que Sam Wilson, um homem negro vestindo o manto do Capitão América—um símbolo com um potencial poderoso—acaba não passando de um action figure. Até mesmo as limitações físicas que poderiam render um ponto de vista criativo na ação, já que ele não tem superpoderes, desaparecem. O novo Capitão América agora veste um traje totalmente feito de vibranium, rompe a barreira do som, enfrenta caças militares no céu e é capaz de segurar um Hulk. Ele nem precisa de um supersoro, ele já é um supercara.
Se do ponto de vista temático a jornada do herói não tem nada a oferecer, o antagonista, Líder (Tim Blake Nelson), entrega ainda menos. Ele funciona como um recorte de personagens dos filmes dos Irmãos Russo—uma versão genérica do Zemo de Guerra Civil, fazendo ameaças constantes por telefone, orquestrando uma conspiração e movido por vingança pessoal. Só que, diferente de Zemo, além de ser um vilão sem nuances, seu visual é uma das concepções mais desastrosas que o cinema de super-herói já entregou. Ironia das ironias, o único personagem minimamente interessante é o General Ross, vivido por Harrison Ford. Sua moralidade dúbia e a maneira como o filme tenta humanizá-lo e contextualizar suas ações dentro dessa trama maquiavélica arquitetada pelo Líder trazem as ideias mais promissoras do longa. Porém, em meio a essa refilmagem burocrática e atrapalhada de Soldado Invernal, essas ideias não têm espaço para se desenvolverem de forma tangível ou impactante.
Tudo é levado para se resolver na sequência do Hulk Vermelho, no clímax, onde o descuido visual fica gritante: os planos burocráticos destacam cenários digitais exagerados, como uma montagem que só tem um propósito técnico e vazio, enquanto a ação é tão mal coreografada pelos dublês digitais que não consegue transmitir a intensidade e veracidade de um confronto entre dois "titãs". É simplesmente desastroso, ainda mais considerando que todo o marketing do filme preparou o público para esse grande conflito, mas a mise-en-scène falha em extrair qualquer elemento minimamente empolgante. Tudo parece protocolar, como se a narrativa estivesse simplesmente cumprindo um roteiro, indo de A a B, se resolvendo de forma previsível, sem oferecer nada que inspire ou desafie. Filmes assim geram cansaço e um desgosto crescente do público pelo gênero, pois, no fim das contas, não há mais nada além de uma fórmula vazia e sem alma.
Como uma refilmagem de Soldado Invernal e, por incrível que pareça, uma continuação de O Incrível Hulk, o filme não encontra uma maneira de usar a linguagem cinematográfica a seu favor. Muitos reclamam da "fórmula Marvel", que mantém as produções dentro de uma mesma lógica estética e um humor cronometrado, mas alguns filmes ainda conseguiam manter um toque de magia nessa fantasia toda. Aqui, acontece o oposto. Você percebe as locações isoladas em que Sam interage com o personagem de Giancarlo Esposito porque ele foi inserido nas extensas refilmagens e a decupagem falha em conectar essa sequência com o restante da narrativa. As cenas de ação são completamente arruinadas pela distribuição dos planos, que não conseguem situar o espectador geograficamente, e a edição falha em costurar a coreografia de forma crível. A cena do ataque na Casa Branca, por exemplo, é um caos visual por conta dessa execução desastrosa da linguagem cinematográfica.
Então, o que resta para um filme assim? Um filme em que o super-herói não passa por nenhum crescimento pessoal, a narrativa não tem qualquer profundidade temática e o espetáculo—que deveria ser a ação—não poderia ser mais protocolar e mal filmado. Não resta nada. Definitivamente, não é um admirável mundo novo.
Crítica/Review
Capitão América: Admirável Mundo Novo
3 NotaCapitão América: Admirável Mundo Novo tenta ser como Capitão América: Soldado Invernal, só que em um filme muito pior.
PRÓS
- Harrison Ford entrega a única performance minimamente interessante como General Ross, cuja moralidade dúbia traz um raro sopro de complexidade à trama.
CONTRAS
- Sam Wilson é reduzido a um action figure sem desenvolvimento pessoal ou temático.
- O antagonista Líder é uma cópia mal executada de Zemo, com um visual desastroso.
- As cenas de ação são mal coreografadas e prejudicadas por uma edição confusa e cenários digitais gritantes.
Detalhes
- Nota do Filme: 0
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