Os Correios e o MinistĂ©rio da Igualdade Racial lançam nesta terça-feira (17) um selo em homenagem à socióloga gaĂșcha Luiza Bairros, ex-ministra da Secretaria de PolĂticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e uma das principais intelectuais do pensamento negro contemporâneo.
A iniciativa celebra o legado de Luiza, que faleceu em 2016 em decorrĂȘncia de um câncer de pulmão. Durante sua gestão à frente da Seppir, entre 2011 e 2014, a ex-ministra lutou pela implementação de polĂticas pĂșblicas como as cotas nas universidades e no serviço pĂșblico.
Luiza Bairros tambĂ©m iniciou a implementação do Estatuto da Igualdade Racial, criou o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) e atuou diretamente pelo reconhecimento da constitucionalidade das cotas no Supremo Tribunal Federal (STF). Selo dos Correios em homenagem a Luiza Bairros. Foto: Correios/DivulgaçãoA fotografia utilizada no selo dos Correios Ă© do acervo da AgĂȘncia Brasil, agĂȘncia pĂșblica de notĂcias da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A imagem de Luiza sorrindo foi captada em 2013 pelas lentes do repórter fotogrĂĄfico Valter Campanato. A então ministra da Seppir estava nos estĂșdios da TV Brasil para a gravação do programa Brasilianas.org. "Fico contente e orgulhoso de dar essa contribuição para homenagear a ministra", diz Valter.
Sobrinha de Luiza Bairros, a epidemiologista e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernanda Bairros, conta que recebeu com alegria a notĂcia do lançamento do selo. "Ela dedicou a vida toda em prol da igualdade racial e do combate ao racismo. Fazer com que a memória e o legado dela não sejam esquecidos Ă© de extrema importância", ressalta Fernanda.
O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, afirma que Ă© uma honra celebrar o legado de Luiza Bairros e destaca que a empresa tem adotado ações para reconhecer publicamente a contribuição de mulheres negras para o Brasil. Entre os selos jĂĄ lançados estão os de Marielle Franco, Rebeca Andrade, Alcione e do Festival Latinidades.
"Temos trabalhado para avançar no campo da equidade. Implantamos a PolĂtica Corporativa de Diversidade dos Correios e estabelecemos metas, em nosso plano estratĂ©gico, de ter 40% de mulheres e 30% de pessoas negras em cargos de gestão em todos os nĂveis da empresa atĂ© o fim deste ano", ressalta Santos.
"Fizemos tambĂ©m a adesão ao Pacto pela Diversidade, Inclusão e Equidade nas Empresas Estatais da Sest [Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais], em mais uma ação afirmativa para tornar nosso ambiente de trabalho mais inclusivo e justo."
Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial. Foto: Tomaz Silva/Arquivo AgĂȘncia BrasilA ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, lembra que Luiza Bairros Ă© uma referĂȘncia histórica negra na consolidação da democracia brasileira, por sua militância como coordenadora do movimento negro unificado, trajetória acadĂȘmica e intelectual e atuação polĂtica na gestão pĂșblica.
A AgĂȘncia Brasil ouviu outras quatro referĂȘncias do movimento e intelectualidade negra que destacam a importância do legado de Luiza Bairros.
>> Vilma Reis, socióloga, ativista, ex-ouvidora-geral da Defensoria PĂșblica da Bahia e assessora especial da PresidĂȘncia dos Correios.
Vilma Reis, socióloga e assessora especial da PresidĂȘncia dos Correios. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação"Toda a trajetória de Luiza Ă© impressionante e precisa ser reverenciada. Essa iniciativa dos Correios mostra a importância de uma mulher que, em quatro anos à frente da Seppir, mexeu com leis que mudaram o panorama do paĂs. Ela foi decisiva na articulação pelo reconhecimento da constitucionalidade das cotas no STF e na aprovação da lei de cotas de 2012. Ă simbólico que esse selo venha quando estamos nos preparando para avançar nas cotas com a reserva de vagas para indĂgenas e quilombolas. Luiza Ă© um nome que evoca e nos traz força."
"Em 1979, Luiza veio do Rio Grande do Sul para Bahia contribuir na criação do Movimento Negro Unificado. Ela se tornou uma referĂȘncia para as ativistas, mas tambĂ©m uma potĂȘncia polĂtica e intelectual. Quando retornou do doutorado nos Estados Unidos, incentivou muitas de nós a seguir a carreira acadĂȘmica. Estava sempre presente nas bancas de defesas. Ela nos ajudou a organizar a luta em muitos campos."
"Importante tambĂ©m lembrar o trabalho da Luiza na Secretaria da Promoção da Igualdade do Governo Bahia (Sepromi) e no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), articulando o Programa de Combate ao Racismo Institucional e removendo as barreiras na saĂșde e na educação. Ela tambĂ©m foi fundamental na construção do texto da 3ÂȘ ConferĂȘncia Mundial contra o Racismo (Durban). Luiza nos ajudou a construir um debate de luta por narrativa negra, intelectual, posicionada no Sul do mundo."
Professor, jornalista e militante da igualdade racial Edson Cardoso. Foto: Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados>> Edson Cardoso, escritor, jornalista e doutor em Educação. Amigo de Luiza Bairros, trabalhou como ela na assessoria da Secretaria de PolĂticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).
"Luiza foi o melhor quadro da minha geração de militantes, de movimento negro. Ela foi a pessoa mais bem preparada para fazer o que fazĂamos. Ela tinha tanto do ponto de vista intelectual, o estudo, a pesquisa, como ela tinha a iniciativa polĂtica, a capacidade de se associar, de se aproximar das pessoas, de estimular, de propor ação, de conduzir as coisas, de fazer intervenção prĂĄtica."
"A presença da Luiza vai fortalecer essa coleção dos selos de figuras negras que os Correios tĂȘm e nada mais justo para uma instituição que Ă© uma das primeiras a acolher a população negra."
"Luiza foi uma pessoa entregue à luta, totalmente entregue e dedicada à luta."
Diretora-geral do Arquivo Nacional, Ana FlĂĄvia Magalhães Pinto. Foto: Tomaz Silva/AgĂȘncia Brasil>> Ana FlĂĄvia Magalhães, historiadora, jornalista, professora doutora da Universidade de BrasĂlia (UnB) e diretora-geral do Arquivo Nacional.
"Luiza Bairros foi uma das primeiras referĂȘncias de intelectuais ativistas que tive, bem antes atĂ© que me fosse possĂvel afirmar essa forma de estar no mundo. Meu primeiro encontro com ela se deu ali em 1998, 1999, em BrasĂlia, numa das primeiras reuniões de formação polĂtica do Movimento Negro de que participei. A voz de Luiza, em especial, me impactou. Era grave, muito firme, mas serena, embalava palavras extremamente bem articuladas e criava em mim a sensação de estar em frente a um espelho e querer ver minha imagem ali refletida."
"Nos anos que se seguiram, alĂ©m de seguir sendo uma referĂȘncia polĂtica, Luiza ganhou forma de pessoa humana, com virtudes e limites. Isso fez com que eu a considerasse ainda mais importante para nós que tĂnhamos o desafio de nos somar e dar continuidade à luta de gerações por justiça e dignidade em qualquer lugar que estivĂ©ssemos."
"Garantir que Luiza Bairros seja compreendida hoje e pelas gerações futuras como uma bem-lembrada Ă© essencial para que rompamos com a falsa impressão de que a cada geração estamos começando a luta contra o racismo do zero. Essa homenagem, portanto, Ă© muito justa e precisa ser valorizada como parte de uma ação permanente e necessĂĄria para estabelecermos regimes de memória que rompam definitivamente com o racismo, o sexismo e outros eixos de apagamento de amplos setores de nossa população."
>> Dalila Negreiros, geógrafa, doutora em Estudos Africanos e da DiĂĄspora Africana e integrante do grupo de Servidoras PĂșblicas Negras. Trabalhou com Luiza Bairros na Seppir.
"Em 2005, o Enegreser, coletivo de estudantes negros do DF e Entorno, fez o Encontro de Estudantes Negros na UnB. Ela foi uma das pessoas que fez essa formação e foi uma das primeiras ativistas traduzindo o debate de interseccionalidade. Luiza foi uma das responsĂĄveis por apresentar o trabalho da escritora LĂ©lia Gonzalez, traduzindo seus livros."
"VĂĄrios programas e projetos de acompanhamento de polĂticas de ação afirmativa, questão das mulheres negras, da centralidade de polĂticas voltadas especificamente para mulheres negras Ă© uma grande contribuição do mandato dela como ministra e como intelectual tambĂ©m, então eu creio que ela seja uma importante referĂȘncia para o movimento negro e para quem acredita na democracia no Brasil."
"Ă muito importante que essas pessoas que são relevantes para o movimento negro, elas sejam relevantes para o Brasil tambĂ©m. A gente estĂĄ falando dos Correios, empresa nacional, tem distribuição no Brasil inteiro. Ă importante entender o papel do Estado brasileiro na garantia do reconhecimento das pessoas que são relevantes. No meu ponto de vista, a principal importância Ă© garantir uma polĂtica de memória."
* EstagiĂĄria sob supervisão de Marcelo Brandão