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Escritor Jeferson Tenório denuncia racismo em abordagem policial durante sessão de fotos

"No Sul do país, um corpo negro será sempre um corpo em risco", afirma Pedro, personagem do livro O Avesso da Pele, do escritor Jeferson Tenório, que tem em seu enredo um caso de abordagem policial a homens negros, por conta da cor.


"No Sul do país, um corpo negro será sempre um corpo em risco", afirma Pedro, personagem do livro O Avesso da Pele, do escritor Jeferson Tenório, que tem em seu enredo um caso de abordagem policial a homens negros, por conta da cor. Nesta semana, na terça-feira (2), o escritor, por meio das redes sociais, denunciou mais uma abordagem policial enquanto participava de uma sessão de fotos para uma reportagem do jornal The New York Times no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Conforme relata o escritor, a abordagem teria ocorrido por ele ter as características descritas como a de um traficante que atuaria no parque.

"No dia 25 de março deste ano sofri minha 16ª abordagem policial. Refleti muito se deveria expor mais este caso, pois sempre existe um desgaste emocional e pessoal. Sob a mira da arma, fomos revistados. Neste momento, comecei a suar frio e fiz um esforço para manter minhas mãos na cabeça, fiquei nervoso, pois todas as imagens de violência policial, que tanto critico, estava novamente acontecendo comigo. Mandaram baixar as mãos lentamente, a partir desse momento todas as explicações da abordagem foram dadas para o fotógrafo, que era um homem branco. Fui ignorado como se não merecesse a explicação", relatou.

De acordo com uma pesquisa do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), divulgada em maio de 2023, sobre a abordagem policial nas cidades de Alvorada, Porto Alegre e Viamão, ser negro, jovem e ter tatuagem estão entre as principais características que levam uma pessoa a ser considerada suspeita pela polícia.

O estudo fez parte do trabalho de assistência técnica internacional que o escritório da UNODC no Brasil realizou junto com o governo do estado, entre novembro de 2015 e fevereiro de 2023, para acompanhar o que se denomina como "integridade do uso da força". Foi realizada a partir de um questionário com 30 perguntas enviado para os 400 policiais que atuam nas localidades, sendo 320 militares e 80 civis, dos quais 113 responderam.

Em resposta à pergunta "Na sua atuação profissional cotidiana o quanto as características abaixo são compreendidas como suspeitas ao ponto de gerar uma abordagem?", as características mais elencadas foram: ser negro (2,95%), ter tatuagens (2,69%), ser jovem (2,65%), ser homem (2,52%), estar com vestimenta suspeita (2,31%) e estar de mochila (2,07%).

No relato de Tenório sobre a abordagem sofrida, ele afirma que a polícia justificou a abordagem por conta de uma denúncia recebida de que havia um traficante com mesmas características deles. "Perguntaram apenas para o fotógrafo se ele já tinha sido abordado naquele parque, ele disse que não. Foi quando o policial respondeu que a abordagem servia para proteger o cidadão de bem. E, se gente não devia nada, íamos ser liberados", prosseguiu.

Manifestações nas redes sociais

O desabafo do escritor fez surgir uma rede de solidariedade de artistas, jornalistas, escritores, parlamentares, famosos e anônimos.

"Nossa solidariedade, amigo. É muito importante nossa geração dar visibilidade a situações como essa para que as novas não tenham de passar por aquilo que passamos. Essa luta vale por eles. Um abraço meu e do Francisco", escreveu a jornalista, escritora e editora Fernanda Bastos.

"Infelizmente esse é o Mississipi Gaudério, onde negros estão na mira da polícia o tempo. Só nos resta rezar e torcer para que eles não se descontrolem, e possamos voltar para casa vivos. E tem quem diga que isso seja mimimi. Força, meu amigo", pontuou o ex-árbitro de futebol Márcio Chagas.

"Inacreditável e abominável. Toda a solidariedade a você. E que teu livro seja mais e mais lido, e esse horror cesse!", ressaltou a filosofa e escritora Márcia Tiburi.

"O racismo é mesmo uma merda tão previsível. Passei por uma situação muito parecida, eu, Silvia Federici e seu companheiro, um homem idoso e com Parkinson grave. Foi em Salvador, onde eu estava com ela para participarmos de um seminário. A polícia mandava por as mãos na cabeça, ela desesperada tinha o impulso de correr, o marido não conseguia e eu só gritava: não corre que eles atiram. Instinto de preta favelada. Quando chegaram perto, me revistaram, cheiraram meu cigarro, repetiam como gralhas essa mesma conversa fiada. A frase de Angela Davis tem um sentido profundo para o povo negro: qualquer pequenina liberdade é uma luta constante", escreveu Helena Silvestre.


Na terça-feira (2), durante solenidade da Delegacia de Combate à Intolerância da Polícia Civil, o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) prestou solidariedade ao escritor. "O escritor foi vítima de uma abordagem racista da Brigada Militar enquanto trabalhava, dando uma entrevista ao New York Times, no Parque da Redenção", relembrou.

O Brasil de Fato RS procurou a Brigada Militar e questionou sobre a abordagem relatada pelo escritor. Não houve retorno até o fechamento desta matéria e o espaço segue aberto.


Abaixo o relato completo de Jeferson Tenório

No dia 25 de março deste ano sofri minha 16° abordagem policial. Refleti muito se deveria expor mais este caso, pois sempre existe um desgaste emocional e pessoal.

A abordagem ocorreu em Porto Alegre, por volta das 17h. Na ocasião, eu estava recebendo um fotógrafo do The New York Times em minha casa para uma sessão de fotos para uma matéria sobre meu livro "O Avesso da Pele".

Em dado momento o fotógrafo achou que seria bom fazer umas fotos ao ar livre. Foi quando sugeri o Parque da Redenção.

Ao chegarmos, o fotógrafo lembrou que no parque havia uma imagem que lembrava um símbolo nazista, e que no ano passado ele havia feito uma matéria sobre esse símbolos no Brasil. Eu disse que não conhecia essa imagem. Ele perguntou se eu queria ver antes de tiramos as fotos. Aceitei.

Quando chegamos próximo do símbolo, vi a imagem que de fato lembrava uma suástica. Foi nesse momento que uma viatura da Brigada Militar parou atrás de nós. Os polícias saíram apontando as armas com frases de mão na cabeça.

Sob a mira da arma, fomos revistados. Neste momento comecei a suar frio e fiz um esforço para manter minhas mãos na cabeça, fiquei nervoso pois todas as imagens de violência policial que tanto critico, estava novamente acontecendo comigo.

Mandaram baixar as mãos lentamente, a partir desse momento todas as explicações da abordagem foram dadas para o fotógrafo, que era um homem branco. Fui ignorado como se não merecesse a explicação.

Disseram que fomos abordados porque receberam uma denúncia de que havia um traficante com as nossas características (?) Perguntaram apenas para o fotógrafo se ele já tinha sido abordado naquele parque, ele disse que não. Foi quando o policial respondeu que a abordagem servia para proteger o cidadão de bem. E, se gente não devia nada, íamos ser liberados.

Depois entraram no carro e foram embora.

Ficou claro, na avaliação da policia, que eu seria um traficante e o fotógrafo o usuário.

Toda a abordagem aconteceu na frente do suposto símbolo nazista. Tudo tão inacreditável. Tão triste, eu estava tirando fotos para uma reportagem sobre meu livro que, entre outras coisas, é sobre a violência policial. E é nesse momento que sou abordado.

Brasil de Fato

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