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A influência da mídia nas greves das universidades federais

A reunião convocada pela presidência da República com reitores e reitoras de instituições públicas de ensino superior, na última segunda-feira (10), com o objetivo de apresentar o que já teria sido feito de investimento nas universidades federais e institutos, e o que ainda será investido, numa média de R$ 5 bilhões, conforme alardearam os principais jornais e agências de notícias corporativas, foi um marco na relação do atual governo com movimentos grevistas do campo educacional.


Foto: Brasil de Fato

A reunião convocada pela presidência da República com reitores e reitoras de instituições públicas de ensino superior, na última segunda-feira (10), com o objetivo de apresentar o que já teria sido feito de investimento nas universidades federais e institutos, e o que ainda será investido, numa média de R$ 5 bilhões, conforme alardearam os principais jornais e agências de notícias corporativas, foi um marco na relação do atual governo com movimentos grevistas do campo educacional.

Leia mais: A greve em momento decisivo: fortalecer a mobilização!

Percebo este marco na história recente, ao observar a costura simbólico-discursiva de seu início ao fim, tendo o presidente Lula colocando a cereja no bolo ao rememorar suas raízes sindicais e determinado, a partir disso, o retorno ao trabalho das categorias em greve, docentes e técnicos, desfazendo a importância da luta dos trabalhadores da educação. Me fez lembrar o que chamamos de teoria do agendamento midiático, muito utilizada pelo antigo ocupante do Palácio do Alvorada em seu cercadinho, mas nunca nominada como tal. Agendamento.

Num momento em que o governo, refém do centrão no Congresso Nacional, não consegue aprovar suas pautas no parlamento, e que os políticos desse mesmo espectro em cargos de ministro de Estado não devolvem o apoio de suas bases ao governo, vimos os servidores da educação, com um dos pisos mais baixos do funcionalismo federal, sendo utilizados pelo governo para o agendamento e melhoria de sua imagem em relação a opinião pública.

A teoria do agendamento midiático, desenvolvida nos anos 1970, também conhecida como "agenda setting", é uma ferramenta crucial para entender como a mídia influencia a percepção pública sobre diversos temas. Esta teoria propõe que a mídia não apenas informa o público sobre os eventos, mas também define a importância desses eventos ao decidir quais tópicos serão destacados. Ao aplicar essa teoria ao contexto das greves nas universidades federais no Brasil, podemos observar como a cobertura midiática molda a percepção pública e, consequentemente, as respostas políticas e sociais a essas greves.

Num breve recorte histórico, é possível observar que as greves nas universidades federais brasileiras têm uma longa história, marcada por reivindicações constantes por melhores condições de trabalho, salários justos e investimentos adequados em infraestrutura e pesquisa. Isso dentro de um universo de trabalho precarizado e de pouca atenção no histórico republicano brasileiro.

Desde a redemocratização do Brasil nos anos 1980, as greves universitárias se tornaram um instrumento frequente de luta dos docentes, técnicos e estudantes.

Alguns marcos históricos incluem a greve de 1980, uma das primeiras grandes greves da redemocratização, que buscou melhores salários e a autonomia universitária; a greve de 1998, marcada por reivindicações contra a política de ajuste fiscal do governo Fernando Henrique Cardoso, que implicava cortes no orçamento da educação; a greve de 2012, uma das mais longas, durando mais de 100 dias, com pautas que incluíam a reestruturação da carreira docente e a melhoria das condições de trabalho; e a paralisação de 15 de Maio de 2019, motivada principalmente pelos cortes orçamentários promovidos pelo governo Bolsonaro, afetando diretamente o funcionamento das universidades.

Ao aplicarmos a teoria do agendamento às greves nas universidades federais, destacam-se alguns pontos críticos. Primeiro, a visibilidade que a mídia dá às greves influencia diretamente a percepção da sua importância pelo público. Nos períodos em que as greves recebem ampla cobertura, há um aumento na pressão pública sobre o governo para negociar e atender às demandas dos grevistas. A greve de 2012, por exemplo, ganhou significativa atenção midiática, o que ajudou a mobilizar o apoio popular.

Em segundo lugar, o modo como a mídia enquadra a greve é determinante.

De modo geral, greve de servidores públicos são vistos de forma negativa pelos veículos da mídia patronal. Estudos indicam que a valência (positiva, negativa ou neutra) da cobertura pode moldar as atitudes do público. Coberturas que destacam os impactos negativos da greve para os estudantes tendem a gerar uma visão negativa da greve. Por outro lado, narrativas que enfatizam as dificuldades enfrentadas pelos docentes e a falta de recursos nas universidades tendem a gerar empatia e apoio.

Além disso, a pressão midiática tem o condão de influenciar diretamente as decisões políticas. Governantes costumam ser sensíveis à opinião pública, e uma cobertura midiática favorável às demandas dos grevistas pode resultar em negociações e concessões. A greve de 1998, por exemplo, ocorreu em um contexto de forte cobertura midiática crítica às políticas de ajuste fiscal, o que pressionou o governo a reconsiderar alguns de seus cortes.

Outro ponto importante é que as greves universitárias competem com outros eventos na agenda midiática. Em momentos de crises econômicas ou políticas, a cobertura da mídia pode se deslocar, reduzindo a visibilidade das greves. Isso foi evidente na greve de 2019, que coincidia com uma série de crises políticas e econômicas, diluindo a atenção que poderia ter sido dada às reivindicações dos grevistas.

É neste sentido que a teoria do agendamento midiático oferece uma poderosa lente para melhor compreendermos a dinâmica das greves nas universidades federais no Brasil, e a recepção destas demandas grevistas pelo governo da vez. Considero a mídia como uma ferramenta ímpar na estruturação do imaginário social, principalmente por seu papel fundamental em moldar a percepção pública e influenciar as respostas políticas às greves.

Para os grevistas, compreender essa dinâmica é essencial para desenvolver estratégias de comunicação eficazes e conquistar apoio público. Para o governo, se progressista ou conservador é crucial refletir sobre os signos produzidos e o impacto causado no direito à greve e no fortalecimento da democracia.

Por fim, o histórico das greves nas universidades federais demonstra a persistência das lutas por melhores condições na educação superior no Brasil e fortalecimento democrático. À luz da teoria do agendamento, é evidente que a visibilidade e o enquadramento midiático dessas greves são cruciais para o sucesso das reivindicações. Portanto, a articulação com a mídia e a gestão da percepção pública são elementos chave na luta por uma educação pública de qualidade e justa.

É neste sentido que ao descaracterizar a urgência dos investimentos públicos nas instituições públicas de ensino superior, o presidente, arvorado em seu histórico de exímio negociador sindical, "lacrou" para a opinião pública, gerou engajamento nas redes sociais e impactou seriamente para o fim da greve das duas categorias paralisadas. Por outro lado, agradou ao mercado através da mídia patronal, corporativa. Ora, um político que há pouco dizia-se injustiçado, justamente pelo agendamento de sua imagem, coloca-se a mercê desta mesma corporatividade midiática para deslegitimar movimentos de trabalhadores historicamente afetados pelo descaso estatal com a educação pública.

*Richard Santos, também conhecido como Big Richard, é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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