Entre 1Âș de janeiro e 13 de maio deste ano, foram feitas 7.
Esses nĂșmeros poderão ser ainda piores em eventual aprovação do Projeto de Lei 1.904/2024 e poderĂĄ aumentar tambĂ©m o volume de casos de gravidez indesejĂĄvel entre crianças e adolescentes, especialmente as meninas vĂtimas de estupro e que vivem em situações de vulnerabilidade social. O alerta Ă© de movimentos sociais e de instituições que vieram a pĂșblico repudiar a proposta que altera o Código Penal Brasileiro.
O projeto de lei, assinado por 32 deputados federais , equipara aborto a homicĂdio; e prevĂȘ que meninas e mulheres que vierem a fazer o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vĂtimas de estupro, terão penas de seis a vinte anos de reclusão - punição maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerĂĄvel (de oito a quinze anos de reclusão). A legislação brasileira não prevĂȘ um limite mĂĄximo para interromper a gravidez de forma legal.De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o PL Ă© inconstitucional, viola o Estatuto da Criança e do Adolescente e contraria normas internacionais que o Brasil Ă© signatĂĄrio.
"Representa um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vĂtimas de violĂȘncia sexual", assinala nota do Conanda.
TambĂ©m em nota, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, lembra que "as principais vĂtimas de estupro no Brasil são meninas menores de 14 anos, abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que mais precisam do serviço do aborto legal, e as que menos tĂȘm acesso a esse direito garantido desde 1940 pela legislação brasileira".
Em mĂ©dia, 38 meninas de atĂ© 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil. Em 2022, Ășltimo perĂodo disponĂvel nos relatórios do Sistema Ănico de SaĂșde (SUS), foram mais de 14 mil gestações entre meninas com idade atĂ© 14 anos.
"O Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vĂtimas de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como tambĂ©m a saĂșde fĂsica e psicológica. Ou seja, perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade, como o abandono escolar", lembra a ministra.
"A gente estĂĄ institucionalizando a barbĂĄrie. A gente estĂĄ deixando com que cada um haja com a sua própria energia, na medida das suas possibilidades para lidar com uma situação criminosa e que o Estado brasileiro estĂĄ se recusando a equacionar", acrescenta a advogada Juliana Ribeiro Brandão, pesquisadora sĂȘnior do Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica (FBSP).
O AnuĂĄrio Brasileiro de Segurança PĂșblica, publicado pelo FBSP, contabiliza que 56,8% das vĂtimas de estupro (adultos e vulnerĂĄveis) em 2022 eram pretas ou pardas; 42,3% das vĂtimas eram brancas; 0,5% indĂgenas; e 0,4% amarelas. A pesquisadora assinala o recorte racial e social do PL e pondera que quem tem possibilidade de custear os procedimentos para aborto seguro, no exterior ou mesmo clandestino no Brasil, "não vai mudar nada."
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, considera o PL 1.904/2024 "uma verdadeira aberração jurĂdica."
Em sua opinião, o Brasil precisa "aprimorar o atendimento social, psicológico, policial, judicial e de saĂșde das mulheres e meninas gestantes em decorrĂȘncia de estupros, e tambĂ©m gestantes que estejam em risco de vida ou grĂĄvidas de fetos anencĂ©falos."
Ele acrescenta que meninas e mulheres vĂtimas de estupros "não demoram para realização do procedimento por mero capricho." As vĂtimas podem demorar mais a fazer os procedimentos de aborto previstos em lei para alĂ©m da 20ÂȘ semana de gestação "por estarem submetidas, ameaçadas e constrangidas por seus agressores, e em razão da burocracia dos serviços de saĂșde, policiais e judiciais, e tambĂ©m pelas oposições morais e religiosas de alguns profissionais pĂșblicos e privados e das próprias famĂlias."
Para JolĂșzia Batista, articuladora polĂtica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), "o Projeto de Lei 1.904/2024 Ă© uma tragĂ©dia", e ganhou status de proposição que deve tramitar com urgĂȘncia, depois de votação simbólica no PlenĂĄrio da Câmara dos Deputados, em razão de "um contexto polĂtico e eleitoral", disse se referindo às eleições municipais em outubro e à sucessão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2025.
A decisão de acelerar a tramitação Ă© atribuĂda ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em declaração à AgĂȘncia Câmara, Lira disse que a votação simbólica foi acertada por todos os lĂderes partidĂĄrios durante reunião nessa quarta-feira (12). Em regime de urgĂȘncia, o projeto Ă© votado diretamente no plenĂĄrio, sem passar por debates nas comissões da Casa.
"Ă vergonhoso e um golpe contra os direitos das mulheres, da infância e da adolescĂȘncia a manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ao colocar o PL em regime de votação de urgĂȘncia. Ao impedir o debate pĂșblico pelas comissões pertinentes e pela sociedade, Lira desrespeita os direitos de crianças e mulheres", critica o movimento Me Too Brasil, organização que atua contra o assĂ©dio e o abuso sexual.
Em 2022, de cada quatro estupros, trĂȘs foram cometidos contra pessoas "incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiĂȘncia, enfermidade etc.)", informa publicação do FBSP, em 2023.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são relatados à polĂcia. A projeção do instituto Ă© que, de fato, ocorram 822 mil casos anuais.
Mantida a proporção de trĂȘs quartos dos casos registrados nas delegacias, o Brasil teria mais de 616 mil casos de vulnerĂĄveis por ano.