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"Brasil é essencial para evitar novas atrocidades", diz diretora da Human Rights Watch

Por Igor Mello Ainda que sem grande impacto, o papel mediador do Brasil em conflitos internacionais e guerras pelo Mundo é reconhecido por diversas de entidades.


Por Igor Mello

Ainda que sem grande impacto, o papel mediador do Brasil em conflitos internacionais e guerras pelo Mundo é reconhecido por diversas de entidades. Nesta semana, autoridades brasileiras recebem três representantes de importantes organizações de direitos humanos da Ucrânia para reuniões. Com eles, também está a diretora global de crises e conflitos da Human Rights Watch, Ida Sawyer, que dirige pesquisas na Ucrânia, Israel/Palestina, Haiti, e outros.

Sawyer falou com a coluna e fez uma análise do papel do Brasil como liderança do Sul Global, em conflitos que estão em curso no momento e dentro da ONU.

Nos últimos anos, o mundo assistiu diversas denúncias de crimes de guerra na invasão da Ucrânia pela Rússia e agora vê as acusações de que Israel pratica genocídio em Gaza. Por que a comunidade internacional não tem conseguido impedir esse tipo de violação aos direitos humanos nos conflitos atuais?

Ida Sawyer: Um grande desafio nos últimos anos tem sido as aparentes inconsistências. Muitos países denunciam atrocidades em certos contextos, enquanto permanecem em silêncio – ou até agem para bloquear ações multilaterais – em resposta a atrocidades cometidas em outros contextos. Vimos isso com os Estados Unidos, por exemplo, denunciando as atrocidades generalizadas cometidas pelas forças russas na Ucrânia e apoiando ativamente os esforços para levar os principais responsáveis à Justiça – enquanto adotam uma abordagem muito diferente em relação às ações de Israel em Gaza. Ao mesmo tempo, vimos países como o Brasil denunciando fortemente e publicamente as atrocidades das forças israelenses em Gaza, enquanto permanecem no geral silentes sobre as atrocidades russas na Ucrânia.

Essas inconsistências prejudicam os esforços para impedir que aconteçam novas atrocidades e são contrários ao princípio básico de que todos os civis merecem proteção e que todas as vítimas merecem justiça – independentemente de onde os crimes foram cometidos e de quem foi o responsável.

Nos dois casos citados acima, instituições multilaterais como o Conselho de Segurança da ONU foram incapazes de ter uma atuação efetiva que encerrasse essas violações. Que tipo de reformas nos órgãos multilaterais seriam necessárias para mudar esse cenário?

O Conselho de Segurança da ONU tornou-se disfuncional em muitos contextos devido ao crescente abismo ideológico entre os cinco membros permanentes com poder de veto. Frequentemente vemos Rússia e China de um lado, e os Estados Unidos, o Reino Unido e a França do outro. O Conselho de Segurança repetidamente falhou em tomar qualquer ação em relação à Ucrânia, Israel, Sudão e muitas outras crises por causa dos vetos de um ou mais dos membros permanentes. Esses desafios provavelmente continuarão até que haja grandes reformas na composição e na forma de funcionamento do Conselho.

Também temos visto lideranças da ONU muitas vezes com medo de criticar grandes potências em questões de direitos humanos, como os abusos da China em Xinjiang, Tibet, Hong Kong e outros lugares. Garantir que a ONU não dependa dessas grandes potências para seu financiamento essencial poderia ajudar as lideranças da entidade a tomarem posições baseadas em princípios de direitos humanos.

Dito isso, o Conselho de Direitos Humanos da ONU já implantou comissões de inquérito e o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de prisão ou pedidos de mandados de prisão, tanto em relação à situação na Ucrânia quanto ao que está acontecendo em Israel e na Palestina. E as agências da ONU superaram enormes desafios para fornecer ajuda que salva vidas. Portanto, algumas partes do sistema multilateral estão funcionando e o apoio a elas deveria continuar.

Em ambos os conflitos, o Brasil tentou exercer um papel de mediação, mas viu seus esforços frustrados pela ação das potências internacionais, como ocorreu mais recentemente com o veto dos Estados Unidos à resolução por um cessar-fogo em Gaza articulada pela delegação brasileira no Conselho de Segurança da ONU. Que papel o Brasil pode exercer, enquanto liderança do Sul Global, para desescalar situações de conflito?

Gostaríamos de ver o Brasil desempenhar um papel de liderança e com princípios na defesa dos direitos humanos, na proteção de civis e no apoio à Justiça internacional nos muitos conflitos e graves crises ao redor do mundo, desde a situação em Israel/Palestina e os crimes de guerra russos na Ucrânia, até a quase esquecida guerra no Sudão e a grande crise, mais próxima, no Haiti. Acreditamos que o Brasil tem um papel essencial a desempenhar ajudando a impedir novas atrocidades em massa e proporcionando justiça às vítimas, inclusive como membro do Tribunal Penal Internacional e do Conselho de Direitos Humanos da ONU, e como anfitrião da cúpula do G20 no final deste ano.

Historicamente, o Brasil tem sido um apoiador-chave do TPI e um ponto de referência para outros integrantes do Tribunal na América Latina e no mundo. Instamos as autoridades brasileiras a continuarem demonstrando sua liderança e apoio ao TPI e ao estado de direito, inclusive em relação à investigação do Tribunal na Ucrânia e ao mandado de prisão pendente para o presidente russo Vladimir Putin. Como estado-parte do Estatuto de Roma, o Brasil tem a obrigação de cooperar com o TPI, inclusive na execução de mandados de prisão pendentes. Isso significa que, caso Putin viaje ao Brasil para a próxima cúpula do G20, ou para qualquer outra ocasião, o governo brasileiro tem a obrigação de prendê-lo e entregá-lo ao Tribunal. Isso é importante não apenas para as muitas vítimas de graves crimes cometidos na Ucrânia, mas também para demonstrar apoio imparcial ao trabalho do TPI em todas as situações sub sua análise, incluindo as investigações em andamento sobre a Palestina, o Sudão e outros lugares. Em um momento em que o TPI enfrenta ameaças daqueles que se opõem a certas investigações, o Brasil tem a oportunidade de mostrar seu compromisso em garantir acesso igual à justiça para todas as vítimas de crimes atrozes, independentemente de onde foram cometidos ou por quem.

Nos últimos meses vimos a situação do Haiti se agravar, com o assassinato do presidente Jovenel Moise e a ação violenta de gangues tomando territórios do poder estatal. A força de paz comandada pelo Quênia que vem sendo discutida pode solucionar a situação?

Dada a atual crise sem precedentes de direitos humanos, humanitária, de segurança, política e judicial enfrentada pelo Haiti, o povo haitiano está em desesperada necessidade de uma resposta internacional abrangente, multidimensional e baseada em direitos, que evite as falhas e abusos associados a intervenções internacionais passadas. A missão de Apoio à Segurança Multinacional (MSS) comandada pelo Quênia e autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU pode desempenhar um papel importante no apoio a restauração da segurança básica e do estado de direito, mas provavelmente só terá sucesso se for acompanhada por salvaguardas importantes de direitos humanos (como avaliação rígida do histórico e perfil dos possíveis integrantes da missão, treinamentos em direitos humanos e um mecanismo de fiscalização independente), recursos suficientes, bem como esforços para apoiar a justiça, a governança democrática e o acesso às necessidades básicas no curto e longo prazo.

Com sua experiência no Haiti, sua expertise e liderança nas Américas, o Brasil tem muito a contribuir nos esforços internacionais para ajudar o povo haitiano. Instamos o governo brasileiro a fornecer o máximo de apoio possível a esses esforços.

Ainda sobre o Haiti, qual é o legado que a intervenção brasileira deixou?

O Brasil desempenhou um papel importante no Haiti ao longo de muitos anos, incluindo como membro do antigo "Grupo de Amigos do Haiti" e como o país que aportou o maior contingente à antiga missão da ONU no Haiti, a MINUSTAH, fornecendo aproximadamente 37.500 militares ao longo de 13 anos, de 2004 a 2017. Os comandantes da MINUSTAH durante esse período foram quase exclusivamente generais brasileiros. Além de seus papéis de manutenção da paz, as tropas brasileiras também se envolveram em numerosas atividades humanitárias, como distribuição de alimentos e remédios, construção e reparo de infraestruturas básicas como estradas e escolas, e prestação de serviços médicos à população haitiana. As tropas brasileiras também ajudaram em operações de resgate, reconstrução e entrega de ajuda humanitária após o terremoto de 2010. Policiais brasileiros também participaram do treinamento de membros da Polícia Nacional Haitiana.

O Brasil tem uma reputação muito positiva entre muitos haitianos. No entanto, houve também alegações de uso excessivo da força e exploração sexual.

Apesar dos sérios problemas das intervenções passadas, é crucial que a comunidade internacional realize um esforço abrangente para ajudar o povo haitiano em um momento de desesperada necessidade. Os países da América Latina têm sido muito relutantes em se envolver até agora. O Brasil deveria assumir um papel de liderança para auxiliar esses esforços e pedir que outros países da região façam o mesmo

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