Heitor tem 6 anos e está aprendendo a ler e escrever via ensino remoto. A mãe e administradora, Carla Lima, fica a manhã toda ao lado dele, tentando acompanhá-lo. "Heitor faz reforço escolar três vezes na semana. Busco uns joguinhos e livros de história, porém, sei que ele sente falta do contato com os coleguinhas para que descubra a leitura e a escrita com mais empenho". Esse é só um dos desafios que os pais de crianças nessa fase estão enfrentando, diante da expectativa de chegar ao final do ano com o ABC na ponta da língua.
A professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Silvia Colello, destaca que sim, a tarefa é difícil e está sendo prejudicada pela pandemia, porém, não é impossível, principalmente, quando os pais abrem espaços para que o aprendizado aconteça em casa.
"Cada um aprende de um jeito e em um ritmo, com aquilo que vive. Os pais podem manter acesa a chama da curiosidade, da vontade de conhecimento e com isso, serem cúmplices da escola", pontua.
Junto com outras especialistas em Alfabetização e Primeira Infância, Silvia traz 10 orientações que podem ajudar os pais, não só na mediação desse conhecimento, mas na transformação da casa nesse mundo de descobertas que a letra e a escrita guarda para as crianças. Confira o que elas aconselham.
1) Papel de mediação
A primeira lição é entender qual é a função dos pais no processo de alfabetização e deixar claro que a família não deve assumir o papel do professor, mas sim, de ponte, como destaca a professora dA pós-graduação da Faculdade de Educação da USP, Silvia Colello. "Ou seja, favorecer o trânsito da criança com a escola e o conhecimento, viabilizar esse trabalho".
2) Curiosidade
As crianças têm muitas questões, dúvidas, curiosidades sobre tudo que as cerca, inclusive, as palavras. Por isso, a mestra em Educação pela Faculdade de Educação da UnB e especialista em Primeira Infância, Carol Velho, orienta que não se dê respostas de forma objetiva. "Refaça sempre a pergunta para elas acharem e construírem suas respostas".
3) Leitura e história
Leia com frequência para a criança e peça que ela leia também ao modo dela. A professora da Faculdade de Educação da Ufba, Liane Araújo, recomenda livros com alfabeto poético, jogos de palavras e histórias rimadas. "Há sites como A Taba, Bamboleio e produções de literatura digital das editoras Caixote e Storymax. Outra dica é o aplicativo gratuito Crianceiras, com poemas de Manuel de Barros".
4) Interações em casa
Liane Araújo destaca, ainda, a importância de transformar a própria casa em um ambiente de aprendizagem: "Explore letras e palavras com alfabetos móveis em jogos e ímãs de geladeira, por exemplo, cuidando para que as crianças reconheçam os caracteres da escrita e tentem formar palavras dentro de suas possibilidades no momento", aconselha.
5) Brincadeiras
Para desenvolver a oralidade é importante brincar de trava-línguas, o que é o que é, palavras que comecem com a letra, que rimam e jogo da memória, como pontua Carol Velho, da UnB. "É jogar junto: achar nas palavras de uma história letras que conhecem, brincar de forca, recortar letras de revistas e montar palavras, usar embalagens para brincar de ir ao supermercado".
6) Práticas de leitura e escrita
Outro conselho é usar o nomede pessoas da família e amigos, observando semelhanças e diferenças e mostrar essa referência quando for tentar ler e escrever outras palavras. "Converse sobre as práticas de escrita e leitura, textos, a função de cada um deles, sempre em situações naturais de uso desses gêneros", complementa Liane Araújo, da Ufba.
7) Gêneros
Silvia Colello, da Usp, acrescenta a necessidade de incluir vários gêneros de texto: "Seja na hora de escrever uma lista de compras, fazer uma receita, ou um bilhete para uma vovó, é preciso diversidade". Ah, e não basta só ler a história. "É discuti-la. O que você acha que o lobo sentiu naquele momento? Isso amplia a capacidade mental da criança de lidar com o mundo da escrita", completa.
8) A cartilha tradicional funciona?
A alfabetização vai além de juntar 'letrinhas' e envolve um processo muito mais amplo de compreensão do mundo e das funções da escrita, ao criar em casa um ambiente favorável para isso. "Os pais que concebem o processo com esse olhar conseguem fazer uma intervenção muito mais ampla", ressalta Silvia Colello,
da USP.
9) Escrita espontânea
Aqui entra mais um recurso que pode ajudar os pais nessa tarefa: o incentivo ao desenho e a escrita espontânea, como aconselha Carol Velho, da UnB. Vale reforçar, inclusive, que nãotem forma certa ou errada de escrever nesse momento. "Para a criança ler e escrever, as atividades precisam fazer sentido para ela. Busque coisas do seu interesse e dialogue sobre o mundo que a cerca, seus sonhos e o que mais gosta".
10) Alfabetização é um processo
A aprendizagem vai se dar em um contexto de limitações, dificuldades e incertezas. Liane Araújo, da Ufba, deixa um recado para os pais: "Não tem como esperar o mesmo desempenho das crianças, nem se responsabilizar por neutralizar as lacunas. Seu filho vai aprender a ler e a escrever. Teremos sim, que enfrentar os prejuízos, porém, as aprendizagens escolares não serão as maiores perdas".
E O APLICATIVO DO MEC?
Lançado na pandemia e com o conceito pedagógico desenvolvido pela Universidade de Jyväskylä, na Finlândia, o GraphoGame, já acumula 722.790 mil downloads. No entanto, a professora da Ufba, Liane Araújo, alerta os pais: "O game confunde letra e som e termina antecipando dificuldades da ortografia para crianças muito pequenas", analisa. O MEC não se posicionou sobre as ressalvas ao App.
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