SaĂșde Fake News

Youtubers denunciam campanha secreta para espalhar fake news contra vacina da Pfizer

Influenciadores que receberam o convite de uma agĂȘncia de marketing para espalhar desinformação sobre as vacinas de covid-19 denunciaram a tentativa de recrutĂĄ-los

Por Times Brasília

28/07/2021 às 22:28:54 - Atualizado hĂĄ


Uma agĂȘncia de marketing ofereceu pagamento para que influenciadores de redes sociais de todo o mundo espalhassem desinformação sobre vacinas contra a covid-19.

Dentre eles, um YouTuber brasileiro.

Everson Zoio, conhecido por vĂ­deos em que cumpre desafios inusitados, como o de colocar a mão em um formigueiro, publicou um vĂ­deo em seu Instagram levantando dĂșvidas sobre a segurança da vacina da Pfizer. O vĂ­deo foi deletado quando a história veio à tona. Ele não respondeu aos pedidos de comentĂĄrio da BBC (leia mais abaixo).

Por outro lado, alguns dos influenciadores que receberam o convite da agĂȘncia de marketing denunciaram a tentativa de recrutĂĄ-los.

"Tudo começou com um e-mail", diz Mirko Drotschmann, um YouTuber e jornalista alemão.

Drotschmann normalmente ignora ofertas de marcas que lhe pedem para anunciar produtos para seus mais de 1,5 milhão de seguidores. Mas a oferta de patrocĂ­nio que ele recebeu em maio deste ano foi diferente de qualquer outra.

A agĂȘncia, chamada Fazze, pediu que ele promovesse o que ela dizia ser informações vazadas que sugeriam que a taxa de mortalidade entre as pessoas que recebiam a vacina Pfizer era quase trĂȘs vezes maior que a da AstraZeneca.

As informações fornecidas não eram verdadeiras.

Rapidamente ficou claro para Drotschmann que ele estava sendo convidado a espalhar desinformação para minar a confiança do pĂșblico em relação a vacinas no meio de uma pandemia.

Mirko Drotschmann em vĂ­deo


Mirko Drotschmann recebeu oferta de dinheiro para espalhar desinformação em suas contas em redes sociais (e recusou a oferta)

"Fiquei chocado", diz. "E então fiquei curioso: "O que estĂĄ por trĂĄs de tudo isso?"

Na França, o YouTuber de ciĂȘncia Léo Grasset recebeu oferta semelhante. A agĂȘncia ofereceu 2 mil euros (cerca de R$ 12.200) por sua participação, dizendo que estava agindo por um cliente que desejava permanecer anônimo.

"É um grande indĂ­cio de algo estava errado", diz Grasset.

Grasset e Drotschmann ficaram revoltados com as falsas alegações que foram repassadas.

Eles fingiram estar interessados para tentar descobrir mais e receberam instruções detalhadas sobre o que deveriam dizer em seus vĂ­deos.

Em um inglĂȘs que não parecia natural, o briefing os instruĂ­a a agir "como se vocĂȘ tivesse paixão e interesse neste tópico".

Dizia para que eles não mencionassem que o vĂ­deo tinha um patrocinador, e fingir que estavam dando conselhos espontaneamente por preocupação com os espectadores.

As plataformas de redes sociais tĂȘm regras que proĂ­bem a não divulgação de que o conteĂșdo é patrocinado. Na França e na Alemanha, isso também é ilegal.

As instruções da Fazze pediam que os influenciadores compartilhassem uma notĂ­cia do jornal francĂȘs Le Monde sobre um vazamento de dados da AgĂȘncia Europeia de Medicamentos.

Dados fora de contexto

A história era genuĂ­na, mas não falava em mortes por vacinas. Naquele contexto, no entanto, daria a falsa impressão de que as estatĂ­sticas da taxa de mortalidade vieram do vazamento.

Léo Grasset sentado em uma sala mal iluminada com um microfone à sua frente e vasos de plantas atrĂĄs dele. Ele estĂĄ olhando diretamente para a câmera e com as sobrancelhas erguidas.
Léo Grasset ficou horrorizado com a tentativa de recrutĂĄ-lo

Os dados que os influenciadores foram solicitados a compartilhar foram, na verdade, uma mistura feita a partir de diferentes fontes e retirada do contexto.

As "informações" usavam o nĂșmero de pessoas que morreram em vĂĄrios paĂ­ses algum tempo depois de terem recebido diferentes vacinas contra a covid-19. Mas só porque alguém morre depois de receber a vacina não significa que ela morreu porque recebeu a vacina. Ela pode ter morrido em um acidente de carro, por exemplo.

Nos paĂ­ses de origem das estatĂ­sticas, um nĂșmero maior de pessoas havia recebido a vacina da Pfizer naquela época, portanto, era de se esperar um nĂșmero maior de pessoas morrendo após a vacina da Pfizer.

"Se vocĂȘ não tem nenhum treinamento cientĂ­fico, vocĂȘ pode simplesmente dizer: "Ah, existem esses nĂșmeros, e eles são realmente diferentes. Portanto, deve haver uma ligação." VocĂȘ pode fazer qualquer correlação espĂșria como quiser", diz Grasset.

Os influenciadores também receberam uma lista de links para compartilhar: artigos duvidosos em que todos usavam o mesmo conjunto de nĂșmeros que supostamente mostravam que a vacina Pfizer era perigosa.

Quando Grasset e Drotschmann expuseram a campanha da Fazze no Twitter, todos os artigos, exceto a reportagem do Le Monde, desapareceram da internet.

Desde que Grasset e Drotschmann expuseram o convite, pelo menos quatro outros influenciadores da França e da Alemanha revelaram publicamente que também rejeitaram as tentativas da Fazze de recrutĂĄ-los.

"Ilógico"

Mas o jornalista alemão Daniel Laufer identificou dois influenciadores que podem ter aceitado a oferta.

O primeiro, um YouTuber indiano chamado Ashkar Techy, que costuma fazer vĂ­deos engraçados sobre carros e namoro. E o segundo, o brasileiro Everson Zoio. Ele tem mais de 3 milhões de seguidores no Instagram, onde o vĂ­deo sobre a Pfizer foi publicado, e 12,8 milhões no YouTube.

Everson Zoio, com óculos escuros redondos e um boné virado para trĂĄs, sentado no banco do motorista de um carro. A câmera estĂĄ situada no banco do passageiro e Zoio estĂĄ inclinado, com um braço apoiado no volante.

Everson Zoio
O YouTuber Everson Zoio alertou seus seguidores sobre a vacina da Pfizer em um vĂ­deo que depois foi deletado de sua conta no Instagram

Os dois publicaram vĂ­deos atĂ­picos nos quais transmitiam a mesma mensagem da campanha da Fazze, compartilhando também links de notĂ­cias falsas que estavam nas instruções enviadas pela agĂȘncia. Ambos também haviam participado de promoções anteriores do Fazze.

A BBC teve acesso ao vĂ­deo publicado por Zoio em seu Instagram. Ele entra em um carro, olha para câmera e fala como se estivesse recitando um texto memorizado: "Galera, estou fazendo esse vĂ­deo aqui para passar algumas informações que eu tenho sobre a vacinação, tĂĄ ligado?", ele começa.

"HĂĄ algumas coisas que me deixam muito pensativo. Estive vendo alguns artigos e deparei com algo muito preocupante mesmo", diz. Em seguida, afirma ter encontrado dados sobre a taxa de mortalidade dos vacinados pela Pfizer, que seria "trĂȘs vezes maior que a da AstraZeneca".

Ele diz não entender "por que essa vacina ainda estĂĄ sendo comprada em vĂĄrios paĂ­ses". "Chega a ser algo ilógico e muito preocupante mesmo, vocĂȘs não concordam? A gente tem que se manter bem informados porque no final de tudo somos nós que vamos ser beneficiados ou até mesmo prejudicados por tudo isso."

No final do vĂ­deo de pouco mais de um minuto, ele pede que os seguidores acessem um link na biografia do seu perfil.

Depois que Daniel Laufer os contatou, Everson Zoio e Ashkar Techy removeram seus vĂ­deos, mas não responderam suas perguntas. A BBC tentou entrar em contato com os dois influenciadores, mas eles não responderam.

Conexões russas?

A BBC também tentou mandar um e-mail para as pessoas que abordaram Drotschmann e Grasset. Os e-mails voltaram – não da Fazze, mas do domĂ­nio de uma empresa chamada AdNow.

A Fazze faz parte da AdNow, uma empresa de marketing digital registrada na RĂșssia e no Reino Unido.

Ashkar Techy com um moletom vermelho sentado em uma cadeira de jogo roxa. À esquerda dele na imagem estĂĄ uma captura de tela de um artigo que ele foi convidado a compartilhar. O artigo diz

Ashkar Techy
O indiano Ashkar Techy compartilhou dados duvidosos em seu vĂ­deo

A BBC fez vĂĄrias tentativas de entrar em contato com a AdNow por telefone, e-mail e até mesmo uma carta enviada para sua sede em Moscou, mas eles não responderam.

Por fim, a BBC conseguiu entrar em contato com Ewan Tolladay, um dos dois diretores do braço britânico da AdNow.

Tolladay disse que tinha muito pouco a ver com a Fazze – que ele disse ser uma joint venture entre seu diretor – um russo chamado Stanislav Fesenko – e outra pessoa cuja identidade ele não conhecia.

Ele disse que não tinha participado da campanha de desinformação. E afirmou que nem sabia que a Fazze havia assumido o contrato antes de a história estourar. Ele não pode esclarecer quem era o cliente misterioso.

Ele disse que, à luz do escândalo, "estamos fazendo a coisa responsĂĄvel e fechando a AdNow aqui no Reino Unido". Ele disse que a Fazze também estava sendo fechada.

A BBC tentou convencer Fesenko a falar, mas não obteve sucesso.

As autoridades francesas e alemãs iniciaram investigações sobre as abordagens de Fazze aos influenciadores.

Mas a identidade do cliente misterioso da agĂȘncia permanece obscura.

HĂĄ especulações sobre conexões russas com este escândalo e os interesses do Estado russo em promover sua própria vacina – a Sputnik V.

Omid Nouripour, porta-voz de polĂ­tica externa do Partido Verde alemão, sugeriu procurar em Moscou a motivação por trĂĄs da campanha da Fazze.

"Falar mal de vacinas no Ocidente mina a confiança em nossas democracias e supostamente aumenta a confiança nas vacinas da RĂșssia. HĂĄ apenas um lado que se beneficia com isso, e esse é o Kremlin", ele afirmou.

Mas em um comunicado, a embaixada russa em Londres afirmou: "Tratamos a covid-19 como uma ameaça global e, portanto, não estamos interessados ??em minar os esforços globais na luta contra ela, sendo vacinar as pessoas com a vacina da Pfizer uma das formas de lidar com o vĂ­rus."

Embora a campanha de Fazze tenha sido um fracasso, Léo Grasset acredita que não serĂĄ a Ășltima tentativa de usar o poder dos influenciadores sociais para espalhar a desinformação.

"Se vocĂȘ quer manipular a opinião pĂșblica, principalmente dos jovens, não vĂĄ à TV", diz Grasset.

"Basta gastar o mesmo dinheiro com influenciadores no TikTok e no YouTube. Todo o ecossistema estĂĄ perfeitamente construĂ­do para a mĂĄxima eficiĂȘncia da desinformação."

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